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quinta-feira, 22 de abril de 2021

O LOBO E OS SETE CABRITINHOS - Jakob e Wilhelm Grimm


Adaptação Nicéas Romeo Zanchett 

       Era uma vez uma cabra que tinha sete cabritinhos. Ela os amava com todo o maior que as mães sentem por seus filhinhos. Um dia, ela teve  que ir à floresta em busca de alimento. Então, chamou os cabritinhos e lhes disse: 

       - Queridos filhinhos, preciso ir à floresta. Tenham muito cuidado por causa do lobo. Se ele entrar aqui, vai devorá-los todos. É seu costume disfarçar-se, mas vocês o reconhecerão pela sua voz rouca e por suas patas pretas. 

       Os cabritinhos responderam: 

       Querida mãezinha, pode ir descansada, pois teremos muito cuidado. 

       A cabra saiu e foi andando despreocupada. 

       Não se passou muito tempo e alguém bateu à porta dizendo: 

      - Abram a porta, queridos filhinhos. A mamãe está aqui e trouxe uma coisa para cada um de vocês. 



      Os cabritinhos perceberam logo que era o lobo, por causa de sua voz rouca, e responderam: 

      - Não abrimos a porta, não. Você não é nossa mãezinha. Ela tem uma voz macia e agradável. A sua é rouca. Você é o lobo. 

      O lobo, então, foi a uma loja, comprou uma porção de giz e comeu-o para amaciar a voz. 

      Voltou à casa dos cabritinhos, bateu à porta e disse: 

      - Abram a porta, meus filhinhos. A mamãe já voltou e trouxe um presente para cada um de vocês.

      Mas o lobo tinha posto as patas na janela e os cabritinhos  responderam: 

      - Não abriremos a porta, não. Nossa mãe não tem patas  pretas como as suas. Você é o lobo.

      O lobo foi à padaria e disse ao padeiro: 

      - Tenho as patas feridas. Preciso esfregá-las com um pouco de farinha. 

       

       O padeiro pensou consigo mesmo: "O lobo está querendo enganar alguém". 
       E recusou-se a fazer o que ele pedia. O lobo, porém, ameaçou devorá-lo, e o padeiro, com medo, esfregou-lhe bastante farinha branca nas patas. 
  
       Pela terceira vez, foi o lobo bater à porta dos cabritinhos: 
       - Meus filhinhos, abram a porta. A mãezinha já está aqui, de volta da floresta, e trouxe uma coisa para cada um de vocês. 
      Os cabritinhos disseram: 
      - Primeiro, mostre suas patas, para vermos se você é mesmo a nossa mãezinha.
      O lobo pôs as patas na janela e, quando eles viram que eram brancas, acreditaram e abriram a porta. 
      Mas, que surpresa! Ficaram apavorados quando viram o lobo entrar. Procuraram esconder-se depressa. Um entrou debaixo da mesa; outro meteu-se na cama; o terceiro entrou no fogão; o quarto escondeu-se na cozinha; o quinto, dentro do guarda-louça; o sexto, embaixo de uma tina, e o sétimo, na caixa do relógio. 

       O lobo os foi achando e comendo, um a um. Só escapou o mais moço, que estava na caixa do relógio. 
       Quando satisfez o seu apetite, saiu e, mais adiante, deitou-se num gramado. Daí a pouco pegou no sono. 

         Momentos depois, a cabra voltou da floresta. Que tristeza a esperava! A porta estava escancarada. A mesa, as cadeiras e os bancos, jogados pelo chão. As cobertas e os travesseiros, fora das camas. Ela procurou os filhinhos, mas não os achou. Chamou-os pelos nomes, mas não responderam. Afinal, quando chamou o mais moço, uma vozinha muito sumida respondeu: 
       Mãezinha querida, estou aqui, no relógio. 
       Ela o tirou de lá e ele lhe contou tudo o que havia acontecido. Agora, crianças, vocês podem imaginar como a pobre cabra chorou ao pensar no triste fim de seus filhinhos! 

       Depois de algum tempo, ela saiu e foi andando pela redondeza. O cabritinho acompanhou-a. 
Quando chegaram ao gramado, viram o lobo dormindo, debaixo de uma árvore. Ele roncava tanto que os galhos da árvore balançavam. A cabra reparou que alguma coisa se movia dentro da barriga do lobo. 
      - Oh! Será possível que meus filhinhos ainda estejam vivos?  pensou ela falando alto.
      Então, o cabritinho correu até sua casa e trouxe uma tesoura, agulha e linha. Enquanto isso a cabra buscou um capim que fazia adormecer profundamente e pôs na boca do lobo. 
      Mal a cabra fez um corte na barriga do lobo, um cabritinho pôs a cabeça de fora. Ela cortou mais um pouco e os seis saltaram fora, um a um 

      Como ficaram contentes! Cada qual queria abraçar mais a mamãe. Ela também estava radiante, contudo, precisava acabar a operação antes que o lobo acordasse. Mandou que os cabritinhos procurassem algumas pedras grandes. Quando eles as trouxeram, ela as colocou dentro da barriga do bicho e coseu-o rapidamente. 
     
        Depois de alguns minutos, o lobo acordou. Como sentisse muita sede, levantou-se para beber água no poço. Quando começou a andar, as pedras bateram, umas de encontro às outras, fazendo um barulho esquisito. O lobo pôs-se a pensar: "Estavam bem gostosinhos os cabritinhos que comi. Mas depois, que coisa estranha! Que enorme peso estou sentindo!

       Quando chegou ao poço e se debruçou para beber água, com o peso das pedras, caiu lá dentro e morreu afogado. 
       Os cabritinhos, ao saberem da boa notícia, correram felizes e foram dançar junto ao poço co, todos cantando ao mesmo tempo: 
"Podemos viver, 
Sem ter mais cuidado.
O lobo morreu, 
No poço afogado."

Nicéas Romeo Zanchett  
 




 


OS TRÊS URSINHOS

 


TRÊS URSINHOS

Era uma vez uma família de ursinhos: o Papai Urso, a Mamãe Ursa e o Bebê Urso. Eles moravam numa linda casinha, no meio da floresta. 

O Papai Urso era o maior de todos e tinha uma voz muito grossa. A Mamãe Ursa era um pouco menor e tinha uma vozinha  meiga. O Bebê Urso era o menorzinho e sua voz era fininha. 

Um dia, pela manhã, quando se levantaram, iam tomar mingau, mas a Mamãe Ursa disse: - Esse mingau está muito quente para ser tomado agora. Vamos dar uma voltinha enquanto ele esfria. 

Deixaram o mingau nas suas tigelinhas e saíram. Enquanto eles estavam fora, apareceu uma menina chamada Cachinhos de Ouro, que morava do outro lado da floresta e tinha o mau costume de fugir de casa. Quando viu a casa dos ursinhos, achou-a muito bonitinha. Aproximou-se e bateu à porta. Ninguém respondeu. Tornou a bater, mas ainda dessa vez, ninguém respondeu. Então, meteu a mão na porta e entrou

Logo à sua frente, na mesa da cozinha, avistou as tigelinhas de mingau. Provou o mingau da tigela maior, mas achou-o muito quente. Provou o da tigela do meio e achou-o muito frio. Então provou o da tigelinha menor e achou-o ótimo. Por isto, comeu todo o mingau que havia nela. Depois, passou à sala, onde encontrou três cadeiras: uma grande, uma menor e outra menor ainda. Sentou-se na cadeirinha e achou-a muito confortável. Mas, sentou-se com tamanha falta de modos, que quebrou a cadeira em pedaços. Depois, "Cachinhos de Ouro" foi ao quarto dos ursinhos. Lá dentro havia três camas: uma grande, uma menor e uma menorzinha ainda. Deitou-se na do meio e achou-a macia demais. Deitou-se na pequeninha e achou-a muito boa. Ali ficou quietinha e acabou pegando no sono. Enquanto ela dormia, os ursinhos voltaram do passeio. Foram logo à cozinha para tomar o mingau e, com surpresa, verificaram que alguém tinha estado ali. Papai Urso perguntou com voz grossa: - Quem mexeu no meu mingau?

 Mamãe Ursa perguntou com sua voz meiga: - quem provou o meu mingau?   O Bebê Urso, com sua voz fininha, chorando, perguntou: - Quem comeu meu mingauzinho? 

Os três ursinhos foram à sala. Papai Urso olhou para sua cadeira e exclamou: - Alguém sentou na minha cadeira! 

Mamãe Ursa, com sua voz meiga reclamou:  - Alguém também sentou na minha cadeira!

Bebê Urso, chorando, queixou-se: - Alguém quebrou minha cadeirinha!

Foram andando para o quarto. Papai Urso olhou para sua cama e perguntou: - Quem esteve deitado na minha cama? 

Mamãe Ursa olhou para sua cama e disse: - Alguém esteve deitado na minha cama! 

Bebê Urso, com sua voz fininha, gritou: - está deitado na minha caminha!

"Cachinhos de Ouro" acordou com o grito do Bebê Urso. Ficou assustadíssima quando viu os três ursinhos no quarto. Saltou da cama, correu pelo quarto, pulou a janela e continuou correndo pela floresta, tão depressa quanto suas pernas podiam. E daí por diante, nunca mais ela fugiu de casa. 

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Nicéas Romeo Zanchett 


sábado, 3 de agosto de 2013

O LOBISOMEM - Por Carmem Dolores.


O LOBISOMEM 
 Por Carmem Dolores 
Adaptação
Nicéas Romeo Zanchett  
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                   A festa de São Benedito e de Nossa Senhora do Rosário corria alegre, na pequena cidade de Lagarto, estado de Sergipe, e a procissão seguia vagarosamente com o seu aompanhamento de negros e mulatos, Congos e Tanngeras, cantando em cadência:
   " Fogo da terra 
 Fogo do mar, 
Que a nossa rainha
 Nos há de ajudar." 
                     As raparigas, vestidas de branco e enfeitadas de fitas, dançavam na frente das imagens, esganiçando juntas este coro: 
"Virgem do Rosário, 
Senhora do mundo, 
Dai-me um côco d'água, 
Senão vou ao fundo...
Inderê, rê, rê, rê...
Ai! Jesus de Nazaré! 
                      Ao que respondiam os negros: 
"Meu São Benedito
Não tem mais coroa; 
Tem uma toalha, 
Vinda de Lisboa...
Inderê, rê, rê, rê...
Ai! Jesus de Nazaré! 
                     De súbito rompeu uma briga e cruzaram-se gritos, ameaças e vociferações, irrompendo a marcha da procissão.  Um negro velho, de carapinha branca, avançou para o tumulto e indagou autoritário qual a causa do distúrbio. 
                      Aquilo era uma falta de respeito! E a tarde ia caindo. Queriam eles que anoitecesse com as imagens no campo, longe da capelinha? 
                      - Ai, pai Chico! exclamou uma negra já idosa, aproximando-se; aquilo é a minha desgraça! São os meus dois filhos, Cazuza e Januário que estão se desafiando por causa da Rosa, com quem todos os dois querem casar-se! 
                      Nesse momento o alarido tomou ainda maiores proporções, ouviu-se o estalido de violas partidas e servindo de arma para dar pancada, e apareciam lutando dois mulatos destemidos e assomados, em cuja camisa já se lastravam algumas nódoas de sangue. 
                      - Para! para! gritavam. O negro velho, de carapinha branca, interpôs-se e conseguiu agarra-los pelo braço, desenvolvendo uma força de espantar  naquela idade avançada.  E conservando agarrados os dois lutadores, berrou para a procissão, que se apinhava, desordenada:
                      - Forma, rapazes! E para a frente! Seguir! Nós vamos daqui a pouco. 
                      Em breve, a longa fila de gente e de imagens estendia-se pelo caminho e pouco a pouco sumia-se na primeira dobra, ao som dos cantares e das danças; e o silêncio restabeleceu-se sobre o grupo de pai Chico segurando os dois mulatos, agora mais calmos e atendendo ás repreensões da negra idosa, que era a mãe deles.   
                      A tarde ia escurecendo. De repente, um latido agudo e lastimoso cortou o espaço, e viram passar a galope para os lados do sertão um grande cachorro negro, com olhos de brasa que desferiam faíscas luminosas. 


                      - Credo! Te esconjuro! O lobisomem!... brandaram todos, abaixando a cabeça e fazendo o sinal da cruz. Os latidos foram se afastando lentamente. 
                     Então o velho pai Chico virou-se para os dois mulatos, e disse-lhes: 
                     - Vocês sabem quem vai ali? é o cabra do Leocádio, coitado! que matou o irmão por causa da Virginia. Ambos queriam casar com a mulatinha, e sai briga que puxa briga, até que na noite de Reis, na festa da Sapinha, Leocádio enterrou a faca no peito de seu irmão... 
                     - São Benedito nos acuda! exclamaram os outros. 
                     - Pois foi mesmo São Benedito que castigou Leocádio, o tornou negro e lhe transformou em lobisomem, que todas as noites é condenado a andar pelo sertão, sem descanso. 
A esta hora  já vai o desgraçado cumprir a sua sina até o alvorecer da madrugada... 
                     - Ah! pai Chico! interromperam os dois mulatos, por Deus que nós não brigaremos mais por causa da Rosa.  
                      - Eu juro por esta cruz! disse o Cazuza, cruzando os dedos e beijando-os.
                      - Eu vou para o Rio de Janeiro sentar praça! disse o Januário. 
                      - E eu? choramingou a negra velha, então eu vou ficar sem meu filho? 
                      - Quer antes que ele mate um dia o irmão e vire um lobisomem? perguntou o pai Chico encolerizado. 
                      A preta então resignou-se. E o Januário partiu mais tarde para o Rio de Janeiro e nunca mais brigou com o irmão. 
                      O cabra Leocádio, coitado! esse continua sempre sendo um lobisomem. 
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Pesquisa, adaptação e postagem: Nicéas Romeo Zanchett 
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O PESCADOR E SUA MULHER - Pelos Irmãos Grimm

O PESCADOR E SUA MULHER 
Pelos Irmãos Grimm 
                   Era uma vez um pescador e a sua mulher;  Viviam numa miserável choupana à beira- mar. O pescador, que se chamava Pedro, ia todos os dias atirar o anzol; mas muitas vezes ficava horas inteiras antes de pescar um só peixe. 
                    Um dia, em que se achava olhando sempre para os movimentos do anzol, eis que o vê desaparecer e ir ao fundo; puxa, e no fim da linha aparece um grande bacalhau. 
                    Peço-te, disse o animal, que não me tires a vida; não sou um peixe verdadeiro, sou um príncipe encantado. Peço-te que me soltes; dá-me a liberdade, o único bem que me resta. 
                    - Basta de tantas palavras, respondeu o bravo Pedro. Um peixe que sabe falar, merece bem que o deixem nadar à vontade.
                    E soltou o animal, que de novo fugiu para o fundo do mar, deixando atrás de si um rasto de sangue. Quando voltou à choupana, contou à mulher sobre o belo peixe que pescara e como lhe dera a liberdade. 
                    - E não lhe pediste nada em troca? disse sua mulher. 
                    - Eu não, o que poderia eu desejar? sou feliz como vivo,  respondeu Pedro. 
                    - O que! não será um suplício viver sempre nesta feia cabana, suja e infecta; podias bem ter pedido uma linda casinha. 
                    O homem não pensara que o serviço que voluntariamente prestara ao príncipe, valesse uma recompensa tão bela. Contudo, lá foi até a praia, e à beira do mar, que estava todo verde, e gritou: 
                    - Bacalhau, meu querido bacalhau, a minha mulher, a minha Isabel, contra minha vontade, quer alguma coisa em troca da liberdade que lhe dei.  
                    Imediatamente apareceu o peixe, e lhe disse: 
                    - Então o que deseja?  
                    - Aqui está, disse o pescador; como te dei a liberdade, minha mulher acha que deves satisfazer-me um pedido; ela já está farta de nossa choupana, deseja viver numa linda casinha. 
                    - Está bem, respondeu o bacalhau, volta para casa e tu verás cumprido o seu desejo. 
                    Quando estava voltando, Pedro avistou sua mulher à porta de uma casinha muito bonitinha e asseada: 
                    - Corre! gritou ela ao avistá-lo, vem ver como isto é bonito; há dois belos quartos e uma cozinha; na parte traseira temos um pátio com galinhas e patos e também um jardinzinho com legumes e algumas flores. 
                    - Oh! que vida alegre poderemos agora levar! disse Pedro. 
                    - Sim, disse ela, é tudo o que desejo! 
                    Durante uns quinze dias foi um encanto sem fim; depois, de repente a mulher disse: 
                    - Ouve, meu querido Pedro, esta casinha é um pouco estreita; o Jardim é muito pequeno. Só serei mesmo feliz num grande palácio de pedra. Vai procurar o bacalhau e diz-lhe que é esse o meu desejo. 
                     - Mas, respondeu o pescador, há apenas quinze dias desde que o bondoso príncipe nos deu essa casinha tão linda, como nunca teríamos sonhado possuir outra semelhante. E tu queres que vá outra vez importuná-lo!  mandar-me-á passear e com toda a razão. 
                     - É isso mesmo que quero, disse a mulher; sei mais do que tu, com certeza ele nos será agradável. Vai procurá-lo com te disse. 
                     O bom homem foi até a praia; o mar era de um azul escuro, quase roxo, mas calmo. O pecador gritou: 
                     - Bacalhau, meu rico bacalhau! a minha mulher, a minha Isabel, contra minha vontade, quer por força mais alguma coisa. 
                     - O que é que ela quer dessa vez? respondeu o peixe, que apareceu logo, com a cabeça fora d'água. 
                    - Imagina tu que já não lhe agrada a linda casinha, e agora deseja um palácio todo de pedra! 
                    - Volta para casa, disse o bacalhau, que o desejo dela já está cumprido. 
                    Ao chegar, o pescador encontrou sua mulher a passear no grande pátio dum esplêndido palácio.
                    - Oh! como é gentil esse bacalhau, disse ele; vê como tudo é magnífico! 
                    Juntos atravessaram um vestíbulo em mármore; uma multidão de criados com galões dourados abriam-lhes as portas dos ricos aposentos, guarnecidos de riquíssimos móveis e cobertos dos mais preciosos estofados. Por detrás do castelo havia um imenso jardim onde desabrochavam os mais raros arbustos e flores; depois seguia-se um parque magnífico, onde folgavam os veados, as corças e toda a espécie de passarinhos; ao lado havia cocheiras vastíssimas, com cavalos de luxo e uma grande quantidade de lindas vacas leiteiras. 
                   - Como a nossa sorte é digna de inveja, disse o bravo pescador, esbugalhando os olhos ao ver essas maravilhas; espero que os teus desejos mais temerários estejam satisfeitos. 
                   É o que digo, respondeu sua mulher, mas amanhã refletirei melhor. 
                   Depois, após provarem as deliciosas iguarias que lhes serviram à ceia, foram deitar-se. 
                   No dia seguinte, quando ainda nem havia amanhecido, a mulher acordou o marido às cotoveladas e disse-lhe:  
                   - Pedro, agora que já temos este palácio, precisamos ser senhores e donos de todo o país. 
                   - Ora essa, respondeu Pedro, queres ser coroada? eu é que não quero ser rei. 
                   - Pois bem, eu quero ser rainha. Vamos, vista-te, corre e vai dizer o que estou a desejar a este rico bacalhau. 
                   O pescador encolheu os ombros, mas nem por isso deixou de obedecer. 
                   Ao chegar à praia, viu o mar num cinzento escuro, e bastante agitado; pôs-se a gritar: 
                   - Bacalhau, querido bacalhau!  A minha mulher, a minha Isabel, embora contra a minha vontade, que a todo o custo mais alguma coisa. 
                  - O que ela ainda está precisando? disse o peixe, que logo se mostrou com a cabeça fora d'água. 
                  - Pois agora ela meteu na cabeça que quer ser rainha! 
                  - Volta para tua casa, o seu pedido já está concedido, disse  o animal. 
                  E, com efeito, ao voltar, Pedro encontrou sua mulher instalada num trono de ouro, ornada de enormes diamantes, com uma coroa magnífica na cabeça, rodeada de damas de honra ricamente vestidas de brocado, qual delas a mais linda; à porta do palácio estavam os arqueiros com fardas brilhantes; uma banda militar tocava uma alegre fanfarra; uma multidão de súditos achava-se espalhada  pelos vastos pátios, onde estavam enfileiradas magníficas carruagens. 
                  - Então disse o pescador, espero que agora tenha chegado ao cume de seus desejos; antes era pobre entre os mais pobres, e agora és poderosa rainha. 
                  - Sim, respondeu a mulher, é uma sorte bem agradável, mas  ainda há algo melhor, não compreendo como não pensei nisto antes; quero ser  imperatriz, ou  melhor, imperador; sim, quero ser imperador! 
                 - Mas que é isso mulher! perdestes a cabeça?; não, eu não vou pedir essa loucura ao bom amigo bacalhau; certamente irá me mandar passear, e com toda a razão. 
                 - Nada de contestações, replicou ela; sou a rainha e tu  és o primeiro dos meus vassalos. Portanto, deves obedecer imediatamente. 
                 Pensando ser seus passos inúteis, Pedro dirigiu-se até a praia. Ao chegar lá, viu o mar, todo negro, quase  como tinta; o vento soprava com força e fazia levantar  ondas enormes. 
                 - Bacalhau, querido bacalhau, gritou ele, a minha mulher, a minha Isabel, contra a minha vontade, quer ainda  mais outra coisa.
                 - O que ela quer agora? disse o peixe que logo apareceu.
                 - As grandezas subiram-lhe aos miolos, agora ela deseja ser imperador. 
                 - Pois volta para casa, respondeu o peixe; já se fez o que ela quer. 
                 Quando Pedro voltou para casa, viu um palácio enorme, todo construido em precioso mármore; o teto era em laminas de ouro. Depois de ter passado por um pátio enorme, cheio de lindas estátuas, plantas e fontes que exalavam os mais suaves perfumes, atarvessou uma fileira composta de guardas de honra, uns gigantes de mais de dois metros de altura; e depois de passar por uma fileira de aposentos decorados com extrema riqueza, entrou num vasto salão onde estava sentada num trono de ouro maciço, bem alto, a sua mulher; vestia um traje esplêndido, todo coberto de enormes diamantes e rubis, e tendo uma coroa que por si só valia mais que muitos reinos; estava rodeada de uma corte composta  somente de príncipes e duques; os que eram apenas condes ficavam na antecâmara. 
                Isabel parecia estar inteiramente à vontade no meio desses esplendores.   
                - Então, disse-lhe Pedro, espero que agora estejas satisfeita com teus desejos; ninguém nunca teve tanta sorte como a tua. 
                - Veremos isso amanhã, respondeu ela. 
                Depois de uma grande festa, foi deitar-se, mas não pode dormir; estava atormentada com a ideia que talvez houvesse alguma coisa ainda mais invejável do que ser imperador. De manhã, ao levantar-se, viu que o céu estava encoberto. 
                - Queria ver o sol, disse ela, as nuvens escuras entristecem-me. Sim, mas só Deus tem o poder de fazer o sol aparecer. Ora, ai está, quero ser tão poderosa como Deus. 
                Encantada com a ideia, gritou: 
                - Pedro, veste-se rápido e vai dizer ao bondoso bacalhau que desejo ser a onipotência sobre o universo, como Deus;  não podes me recusar isso. Prometo que será o meu último pedido. 
                O bom pescador ficou tão assustado com um pedido tão absurdo, que teve de se encostar a uma cadeira para não cair no chão. 
                - Mas, o que é isso? minha mulher, disse ele, tu estás doida? Já não te basta reinar sobre um imenso e rico império?     
                - Não, disse ela, estou chateada por não poder mandar o sol aparecer e desaparecer quando eu quiser. Quero ter poderes como Deu para mandar no sol, na lua e em todos os outros astros. Quero ter todo o poder para comandá-los. 
                - Mas como? , isso excede o poder do bondoso bacalhau; vai acabar ficando zangado comigo se for lhe importunar com um pedido tão insensato. 
                - Um imperador não admite contestações, nem simples observações, replicou ela zangada; faça já o que te mando. 
                  O bom Pedro, já com o coração a temer, pôs-se a caminho. O tempo havia mudado; levantara-se uma terrível tempestade que curvava as árvores mais fortes da floresta e fazia tremer os rochedos. No meio da trovoada e dos relâmpagos o pescador chegou com muito custo à praia. As ondas do mar estavam altas como torres e saltavam umas sobre  as outras com um ruído medonho. 
                  - Bacalhau, querido bacalhau, exclamou Pedro.  A minha mulher, a minha Isabel, contra a minha vontade, quer a qualquer custo mais uma última coisa. 
                  - O que quer ela agora/? disse o peixe que logo apareceu. 
                  - Até tenho medo de dizê-lo, respondeu Pedro, quer ser tão poderosa como Deus. 
                  Então volte para casa, disse o peixe, e encontrará sua mulher na pobre cabaninha de onda eu a tirara. 
                   Ao voltar, encontrou a insaciável Isabel vestida de roupas velhas e sentada num banquinho, na sua antiga e miserável choupana. Pedro, por sua vez,  ficou contente e logo voltou a pescar; mas sua mulher nunca mais teve um momento de felicidade.  
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MORAL DA HISTÓRIA. As pessoas muito ambiciosas nunca chegam a ser realmente felizes. Quanto mais bens materiais adquirem, mais querem ter; nada as satisfaz. 
               Precisamos de muito pouco para sermos felizes. Cada um deve procurar o trabalho que melhor gosta, independente dos ganhos que lhe renda, e assim, tudo se torna motivo de prazer e alegria. 
Nicéas Romeo Zanchett 
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                Esta uma importante historinha dos Irmãos Grimm que adaptei para vocês.
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BREVE BIOGRAFIA DOS IRMÃOS GRIMM 
                Jacob Luiz Grimm e Guilherme Carlos Grimm, foram filósofos e escritores alemães. Nasceram em Hanau, respectivamente a 4 de janeiro de 1785 e a 24 d Fevereiro de 1786. 
                Foram professores da Universidade de Gottingue, de cujas funções foram suspensos por questões políticas; Em colaboração, ecreveram vários livros de contos, baseados em tradições e lendas populares que eles procuraram conhecer diretamente na vida das aldeias e povoações.  Publicaram "Kinder-ud Hausmarchen" (Contos de crianças e do lar doméstico), 1812;  "Deutsche Sagem" (lendas alemãs), 1816; e depois de 1852 trabalharam juntos no grande "Deutches Worterbuck" (Dicionário alemão). Sempre foram irmãos muito unidos e amigos; gostavam de trabalhar juntos. Individualmente, publicaram também outros trabalhos à parte. 
                Os dois morreram em Berlim; Jacob a 16 de Dezembro de 1859 e Guilherme a 20 de Setembro de 1863. 
Nicéas Romeo Zanchett 
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LEIA TAMBÉM >>> CONTOS E FÁBULAS DO ROMEO

                    

terça-feira, 30 de julho de 2013

A DOMADORA DE GANSOS - Frances Clarke Sayers


A DOMADORA DE GANSOS 
Por 
Frances Clarke Sayers 
                   - Vovô Lauro, onde estão os miosótis? perguntou Lucinda, na manhã seguinte à sua chegada. Olhei por todo o jardim e não vi nenhuma flor por lá... 
                  - Ah! sua dorminhoca...  disse Vovô. À noite passada, quando passamos pelo campo, você estava dormindo. As flores nascem lá, e como fica perto daqui, esta tarde, quando eu voltar da reunião, talvez leve você para vê-las. 
                  Lucinda vivia numa cidade grande e, pela primeira vez, estava  visitando seus avós, que moravam no interior do Estado. Eram sempre eles que a iam visitar na cidade, mas este ano o pai de Lucinda a deixara passar uns tempos com a Vovó e o Vovô. Ela já  estava com seis anos. Sempre que os avós a visitavam, falavam numa florzinha azul que nascia em suas terras. Lucinda nunca vira miosótis e estava agora curiosa.   
                   Depois do almoço, Vovô Lauro pegou-a pela mão e levou-a para ver a fazenda. Era uma fazendola apertada entre colinas, com a sua casinha branca, o celeiro vermelho e o grande cata-vento espetado no alto da colina maior.
                   Havia três vacas, um bando de galinhas brancas e uma porção de porquinhos pretos. 
                   No todo de uma das colinas, estavam as alas de figueiras. Olhando para o lado direito da colina, Lucinda avistou a represa da nascente, onde cinco gansos brancos nadavam e passeavam pela margem. 
                     - Gansos! disse Lucinda. Vamos descer para vê-los! Mas Vovô Lauro impediu-a de correr pela colina abaixo. 
                     - Não, não, Lucinda! avisou ele. Você não deve aproximar-se dos gansos. Eles são muito bonitos, mas muito bravos. Quando vou levar-lhes comida, atacam e me escorraçam a bicadas. Esticam os pescoços compridos e avançam para beliscar. Todos os outros animais são meus amigos, mas esses gansos... Eles são terríveis! Fique longe deles, está bem? 
                     Lucinda chamou-os de longe. 
                     - Alô, gansos! disse ela. 
                     Nenhum deles virou sequer a cabeça em sua direção. 
                     - É uma pena que eles sejam assim, Vovô. Eu acho que gostaria de gansos... 
                     Naquela tarde, enquanto Vovô foi à reunião e Vovó fazia sua sexta no sofá estofado com crina de cavalo, Lucinda pegou  a sua caixinha de música e saiu para o pomar de figueiras.
Vovô e Vovó tinham lhe dado aquela caixinha quando ela fizera seis anos, alguns meses antes. 
                     Na tampa da caixa havia  uma pastora de cabelos soltos e louros. Ela estava sentada debaixo de uma árvore, tocando uma flautinha. 
                     Lucinda subiu pelo tronco liso de uma das árvores maiores. Estava fresco lá em cima, à sombra das folhas largas. Um pouco abaixo, perto do lago da represa, estavam os gansos. Eram uma beleza à luz do sol. O maior dos gansos, o macho, estava quieto, de pé numa de suas patinhas amarelas, com a cabeça debaixo da asa. Um dos outros beliscava a lama doce da lagoa, abanando a cauda com satisfação. Outro se esponjava  na terra seca e com as asas levantava uma nuvenzinha de poeira à sua volta. 
                    - Seus velhos bravos! gritou Lucinda lá do alto. 
                    De repente, ela viu qualquer coisa mover-se pela colina abaixo, em direção ao lago. Era Barnabé, o gato da Vovó. Ele cheirava o ar, e devagarinho, bem devagarinho, pé ante pé, foi descendo. Lucinda ficou a olha-lo. Lá ia ele, sem barulho, com o andar característico dos gatos, pé cá, pé lá... Chegou, sem ruído algum, a uma moita de capim. Ai ficou agachadinho, com a cauda ondulante, olhos brilhantes, esperando, esperando...
                    Súbito, o ganso maior, o macho, sacudiu a cabeça, tirando-a de debaixo da asa e baixou a outra patinha escondida. Ele avistou Barnabé. Grasnando para os outros, partiu para cima do gatinho,  de asas abertas. 
                    Um terrível assobio saia do seu bico. Barnabé virou-se e como um raio correu colina acima. Quanto mais depressa corria o gato,mais corriam os gansos, beliscando a ponta do rabo de Barnabé, que miava de dor. 
                    Lucinda desceu da árvore e correu aos gritos: 
                    - Chôoo... Chôoo... e abanava os braços no ar, procurando assustar os gansos. 
                    Tropeçou e caiu, largando a caixinha de música, a sua bonita caixa prateada! Essa foi rolando, rolando pelo declive da colina. Toda a vez que o botão tocava o chão, a música se fazia ouvir. 
                    Quando Lucinda tomou fôlego, já Barnabé estava trepado no tronco para livrar-se dos gansos. 
  Estes já não estavam furiosos. Parados, esticavam os pescoços, sacudiam as penas, moendo as cabeças para um lado e para outro, procurando alguma coisa perdida no ar.  Foi então que Lucinda se lembrou da figura na tampa da caixa de música: a pastora com os gansos ao seu redor...
                    - Ah! Então é de música que eles gostam... Foi isso que os fez parar, disse ela. 
                    Levantou-se e correu a apanhar a caixinha de música, que,embora estivesse um pouco amassada pela queda, ainda fazia soar a sua melodia. Lucinda deu-lhe corda e a música singela encheu o ar, mais forte, mais alegre que nunca. Um a um, os terríveis gansos alinharam-se atrás do macho e marcharam atrás de Lucinda. 
                    Ela desceu a colina e deu volta à lagoa. E em redor, para cima e para baixo, lá iam os gansos sempre a segui-la . Entrou no pomar e no seu rastro iam os gansos. Cruzou por entre as figueiras e os animais a seguiam, enfeitiçados pela música. 
                    Assim que Barnabé notou a mudança, esqueceu a cauda machucada , desceu da árvore e veio juntar-se à fila, seguindo atrás  dos gansos. Lucinda voltou-se para ver a cauda ondulante de Barnabé no fim da fila, e não pode deixar de rir, satisfeita com o seu sucesso. Levou-os até o celeiro e daí trouxe-os para casa. 
                    Vovó Maria veio à porta. Lá estava Lucinda comandando os cinco gansos e o gato, andando em volta do canteiro das rosas. 
                    - Ah! Lucinda, sua feiticeirinha! disse ela.  
                    Nesse momento, Vovô vinha chegando com as mãos atrás das costas. Lucinda marchou com a sua permissão em direção do avô. 
                   - Olhe o batalhão! Ra-ta-plaã-plã-plã... cantava ela. Vovô arregalou os olhos de surpresa.
                   - Você conseguiu domá-los! disse ele espantado e encantado ao mesmo tempo. 
                   Batendo os calcanhares e perfilando-se, levantou a mão escondida, empunhando um lido ramo de miosótis, que ofereceu a ela. 
                    - Miosótis para Lucinda! disse ele. Para Lucinda que domou os gansos. Vamos todos marchar...
                    E juntou-se ao grupo, marchando atrás do ganso cinzento. 
                    - Venha, Vovó... Chamou Lucinda contente.
                    - Pois eu vou, respondeu ela resoluta, tirando o avental para desfralda-lo como bandeira.
                    E assim foram eles: Lucinda, e os cinco gansos, Barnabé abanando a cauda, Vovô e os miosótis e Vovó com o avental fazendo de bandeira. Andaram em volta dos canteiros e foram para o lago. Lá deixaram os gansos, agora comportados. Estes ficaram quietos ali à beira do lago, sem compreender o que havia acontecido. 
                   Naquela tarde, depois do lanche, Vovô levou Lucinda na charrete, para ver o campo florido de miosótis. Lá, ela viu as florzinhas azuis espalhando-se pelas colinas e campos até o horizonte, como cascatas de águas azuis. Milhares e milhares de flores...
                   - Agora eu já sei, disse Lucinda, as miosótis são tantas, que você e Vovô não precisam viver na cidade perto do mar. Vocês já tem um aqui, brilhando como se fosse de verdade, num dia de sol!
                     E é esta a história de como Lucinda viu as miosótis formarem  um mar de flores e como descobriu por que a pastora tocava flauta para seus gansos, na tampa da caixinha de música.
NOTA: Esta historinha   foi extraída de Bluebonnets for Lucinda, e adaptada  pela escritora Diva de Souza Coelho.
Nicéas Romeo Zanchett 
 
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quarta-feira, 24 de julho de 2013

A BELA ADORMECIDA - Nicéas Romeo Zanchett


A BELA ADORMECIDA 
 Adaptação: Nicéas Romeo Zanchett 

                 Havia um rei e uma rainha cujo maior sonho era ter um filho que pudesse, um dia, assumir o reinado em seu lugar. 
                  Dizia a rainha: 
                  - Ah! Deus poderia nos conceder a graça de um filho!
                  Mas o tempo passava e seu sonho parecia cada vez mais distante.
                  Um dia, estando a rainha a banhar-se num rio, saltou para junto dela uma rã que lhe disse:  
                   - Não se preocupe, minha rainha, antes de um ano verás seu desejo realizado, pois terás uma filha. 
                   Conforme predisse a rã, depois de alguns meses a rainha teve uma filha, tão linda que o rei ficou louco de alegria.

                   Para comemorar o acontecimento, o rei mandou providenciar uma grande  festa, para a qual convidou não só os parentes e amigos, mas também as fadas para que protegessem sua filha de qualquer mal. No reino havia treze  fadas, mas como só tinha doze pratos de ouro, em que pudessem comer, uma dela não pode ir à festa.  
                    O banquete transcorreu em grande pompa, e, no final, cada uma das fadas presenteou a menina com um dom milagroso; uma deu-lhe virtude, outra formosura, a terceira, riquezas, e assim por diante. Mal a décima primeira fada acabou de falar e eis que entra de repente a décima terceira, que estava muito magoada por não ter sido convidada, e sem saudar ninguém disse em voz alta: 
                   - No dia em que a princesa fizer quinze anos irá se ferir com um tear e cairá morta. 
                   E saiu da sala sem dizer mais nada. Todos os presentes ficaram assustados; mas, então, adiantou-se a decima segunda fada, que ainda não havia dado o presente que lhe correspondia, e, não podendo evitar o mal que sua companheira predissera, procurou aliviá-lo e disse:  
                   - A princesa não morrerá; apenas cairá num profundo sono, que durará um século, e, decorrido esse  tempo, despertará. 

                   O rei, que queria livrar a sua querida filha de tão grande desgraça, deu ordem para todos os teares do reino fossem queimados imediatamente. 
                    A jovem princesa chegou a possuir todas as perfeições que as fadas  lhe haviam concedido, e assim, era muito formosa, amável, modesta, ajuizada, de maneira que todos quantos a viam sentiam grande amor por ela. 
                    Ao chegar o dia em que fazia os quinze anos, a jovem estava só no palácio, sem seus pais; o rei e a rainha tinham saído. Por curiosidade, começou percorrer todos os corredores e salas e acabou chegando a uma torre muito elevada. Subiu uma estreita escada de caracol e chegou a uma portinha. A chave estava no buraco da fechadura e ela a abriu a porta e entrou; no quarto havia uma anciã que estava tecendo o seu linho. 
                    - Bom dia, vovozinha!, disse a princesa. O que está fazendo aqui?  
                    - Estou fiando, respondeu a velhinha baixando a cabeça. 
                    - Que é isso que moves com tanta agilidade? continuou dizendo a pequena adolescente. E logo pegou no  tear para fazer aquele tipo de trabalho que achou muito interessante; mas, tão logo lhe tocou, realizou-se a profecia  ferindo um dedo. 

                    No mesmo instante em que sentiu a picada adormeceu profundamente, e aquele seu sono espalhou-se por todo o palácio. O rei e a rainha, que acabavam de chegar, e também todos os demais membros da corte, adormeceram com ela.  Os cavalos adormeceram  na estrebaria, os cães no pátio, as pombas no telhado; o fogo que ardia no fogão de lenha apagou-se e a comida deixou de ser cozida; também todos os ajudantes e criados adormeceram no mesmo instante.  Ninguém ficou acordado e o reino foi tomado por absoluto silêncio. Até o vento deixou de soprar e nem as folhas das árvores do jardim tornaram a mover-se. 
                     O reino parecia uma cidade morta. Em breve, em torno do palácio, começou a crescer uma mata que a cada dia se tornava mais fechada, até que o cobriu por completo. A bandeira, que estava no alto da torre, foi escondida pela folhagem da mata. 
No país todos contavam a lenda da formosa princesa adormecida e, de vez em quando, alguns príncipes iam até aquele lugar, onde faziam todos os esforços para penetrar no palácio, mas eram impedidos pela floresta fechada; havia muitos espinhos que impediam a passagem como se tivessem mãos segurando quem tentasse. Muitos jovens que forçaram o caminho para  passar acabaram presos aos espinhos e morreram ali mesmo. 
                    Depois de muitos anos, um belo príncipe chegou àquele país e ouviu um velhinho contar a história da princesa adormecida. Ele lhe contou sobre a floresta fechada e o palácio, no qual, a um século, dormia a formosa princesa e todos os habitantes do antigo reino. Ele também alertou o príncipe que seu avô já contava que muitos príncipes tentaram entrar e acabaram morrendo por lá mesmo.
                     Então disse o jovem:  
                    - Eu não tenho medo e chegarei até a bela adormecida. 
                    O bom velhinho ainda tentou dissuadi-lo dessa decisão, mas, como não conseguia, acabou desistindo. 
                    Precisamente neste dia fazia cem anos desde que o fato aconteceu à família real e seus dependentes. Era chegado o momento em que a princesa deveria acordar, mas precisava que alguém a viesse despertar.
                     Quando o príncipe chegou à mata encontrou-a transformada em um lindo roseiral, que abrindo-se ao sol o deixou passar, fechando-se, em seguida, atrás dele. Ao chegar ao pátio e à estrebaria, viu que os animais ainda estavam dormindo; olhou para o telhado e viu os pombos com a cabeça de baixo da asa, e quando entrou no palácio notou que até as moscas estavam adormecidas nas paredes. O cozinheiro estava na cozinha em atitude de chamar os ajudantes e a criada perto de um galo que parecia querer depenar. Um pouco mais longe viu no salão toda a corte a dormir, e o rei e a rainha dormindo nos respectivos tronos.  Tudo estava tão tranquilo que se podia ouvir a respiração de todos.

                     Depois de andar por todo o palácio, chegou à torre, onde dormia a princesa; abriu a porta, entrou e ficou admirando a serenidade e beleza da princesinha. Era tão linda que nem conseguia desviar o olhar. Inclinou-se e tocou-lhe suavemente; e tão logo a tocou, ela abriu os olhos, acordou e ficou olhando-o carinhosamente. Então levantou-se e  juntos desceram para despertar o rei, a rainha e todos os membros da corte, que se entreolhavam sem entender o que havia acontecido. Naquele mesmo momento, os cavalos acordaram nas estrebarias e começaram a relinchar; também os cães balançavam a cauda ao levantar-se, e os pombos  no telhado, tiraram as suas cabecinhas de baixo das asas, olharam em volta e voaram; as moscas recomeçaram a andar pelas paredes no mesmo instante em que o fogo reanimou-se na cozinha e continuou cozendo a comida; o cozinheiro deu um empurrão no ajudante, que começou a chorar, e a criada acabou de depenar o galo. 
                     No dia seguinte o rei mandou preparar uma grande festa para celebrar o casamento da princesinha com o príncipe que veio de longe para despertá-la. 
                     Depois de muitos anos o rei e a rainha morreram, o príncipe assumiu o trono e, então como rei e rainha viveram felizes por muitos anos. 
Nicéas Romeo Zanchett 

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domingo, 14 de julho de 2013

MARIO E LUÍZA FORAM AO MOINHO


MARIO DE LUÍZA VÃO AO MOINHO 
Nicéas Romeo Zanchett 
                  Esta é uma historinha tão antiga que se perde na noite do tempo. 
                  Havia uma família de sete irmãos que morava no sul do Brasil. Lá o inverno é muito frio e intenso; e os filhos ajudam os pais nas tarefas do dia-a-dia. 
                   Numa certa manhã, quando a geada ainda cobria os campos e o sol ainda não havia acordado, dois irmãos tiveram a incumbência de ir ao moinho. Por determinação dos pais, eles deveriam levar, cada um, alguns quilos de milho para moer e retornar logo para casa. 
                   A distância era bastante longa e era preciso ir bem agasalhado para não pegar um forte resfriado. O caminho era lindo e distraia as atenções dos irmãozinhos. 
                   Os dois irmãos tremiam de frio, mas como as sacolas não eram lá muito leves, e ambos caminhavam depressa, o exercício ajudava-os a aquecer o corpo.  Mas, como ainda era bem cedo, havia muita geada no caminho e era preciso tomar cuidado para não escorregar.
                   Depois de algum tempo, chegaram ao moinho, e ali havia muitos passarinhos que moravam nas florestas próximas; pareciam procurar alguma coisa para comer. Como nada encontravam, piavam de frio e fome.  
                    Ao verem Luíza com o saco de milho, olharam-na com certa tristeza; como se tivessem pedindo ajuda. A boa menina não se conteve de dó e resolveu ajudá-los. 
                    -Coitadinhos, Mário! Estou com vontade de jogar um pouco desse milho para eles. E sem dizer mais nada, atirou vários punhados de grãos, que logo foram recebidos com gratidão. 
                    - Que você está fazendo, Luíza? disse Mário. E  como ficará a farinha de nossa família?  Vai voltar para casa sem farinha e mamãe não vai gostar do que você fez. 

                    Mas Luíza estava feliz e satisfeita vendo aqueles passarinhos famintos se fartando com seus grãos. Eles pulavam alegremente, pipilando e comendo as sementes com voracidade. 
                    Muito feliz por ter praticado um bem, Luíza entregou o restante de seus grãos ao moleiro, já conformada com a ideia de que levaria pouca farinha para casa. Mas nem se preocupava com o castigo que poderia receber  pelo que fizera.
                    Mas, quando o moleiro voltou com os sacos de farinha para lhes entregar, qual não foi a surpresa  que tiveram; o saco de Luíza estava bem mais cheio que o de Mário. 
                    Vendo o espanto dos irmãos, o moleiro explicou: 
                    - Não fiquem pensando que me enganei! Está tudo muito certo: o saquinho mais leve, mais vazio, e do Mário..., e continuou, não poderia deixar de premiar, com uma porção extra de farinha, esta boa menina que socorreu os passarinhos famintos. Pus no saquinho que ela levará, não um nem dois, mas dez bons punhados a mais da minha farinha. Sabem o que aconteceu comigo ao ver a boa ação desta menina? O bom Deus tocou meu coração e então decidi compensar o sacrifício de Luíza; e tem mais, a partir de hoje eu mesmo irei alimentar esses pobres passarinhos que aqui vem pedir alimento. 
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Nicéas Romeo Zanchett 

Como São Francisco de Assis, precisamos ter amor e compaixão dos animais. Eles são nossos irmãos menores que fazem a alegria de toda a natureza criada por Deus Cósmico Universal.  
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