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domingo, 14 de julho de 2013

A MÃE D'AGUA - D.Emilia Bandeira de Melo


A MÃE D'ÁGUA 
Por D. Emília Bandeira de Melo  
De Lendas Brasileiras 
                     No engenho perdido entre as campinas verdejantes, a sinhazinha da casa emagrecia e definhava, sem mais as cores bonitas que dantes lhe tingiam as faces morenas, sem alegria nem animação, tão languida como uma flor crestada pelo sol. 
                     Uma noite, a preta velha, que a criara aos seus peitos veio ajoelhar-se junto à rede onde ela se balançava tristemente,  e disse-lhe: 
                     - Ah! sinhazinha, o que é que vosmicê tem? Porque não conta à sua negra as penas do seu coração? Quem sabe se ela não lhe dava alívio? 
                     A mocinha cobriu o rosto com as mãos e pôs-se a chorar.  Depois respondeu: 
                     - É um segredo, mãe-preta! Si eu contar, você diz à mamãe...
                     A negra fez com os dedos uma cruz, que beijou, e disse: 
                     - Por esta cruz de Nosso Senhor, eu juro que não conto nada à minha senhora velha. 
                     A mocinha então contou. Todos os dias, pelas ave-marias, uma voz linda, linda, cantava debaixo dos chorões, à beira do açude grande. Ela tivera a curiosidade de ir ver quem cantava assim, e por entre as folhagens um rosto de moço lhe aparecera, tão formoso, com os olhos azuis tão tristes, que logo ela caíra namorada dele. Mas quando se aproximava, a visão fugia, desparecia. E todos os dias era aquilo. Ele cantava, chamando-a, sorria para ela com um sorriso tão magoado, entre os galhos, ao lusco-fusco, mas esvaía-se com uma nuvem, mal ela tentava chegar-lhe ao pé. Nunca pudera ver-lhe o corpo; só aquela cabeça, entre as sombras da tarde expirante. 
                     Ah! minha sinhazinha! interrompeu a preta benzendo-se; Nosso Senhor do Bonfim lhe acuda!
                     Aquilo é o filho da Mãe A'água, que mora dentro do açude grande...
                     - Mãe-preta, morro de amor! quero casar com ele...
                     - Nem fala nisto, sinhazinha! Vosmicê está doida? Aquele moço tem corpo de peixe e mora com a mãe no fundo da água. 
                     A moça porém, tanto chorou e pediu, que a negra acabou prometendo ir consultar o tio João Mandinga no alto do morro, a ver se ele arranjava um remédio.  
                    Ao fim de quatro dias, ela entregou à mocinha um espelho, um pente e uma fita azul. 
                    - Está aí, sinhazinha, que tio João mandou. Parece que a Mãe D'água é toda faceira. Vosmicê mostra o espelho na beira do açude e ela logo lhe aparece; mostre o pente, ela vem falar-lhe; mostre depois a fita azul e prometa dá-la se ela deixar ver de perto o filho, com quem vosmicê quer casar.
                    A moça agradeceu e foi correndo mostrar o espelho às águas do açude, que logo se abriram e deixaram passar uma mulher de rara formosura, mas cujo corpo da cintura para baixo tinha a forma de um peixe. Firmando-se na cauda brilhante de escamas, ela elevou-se acima da superfície da água e ficou a balançar-se indolentemente, com os longos cabelos caídos pelas costas, salpicados de gotas de água que cintilavam ao sol, como diamantes. 
                 Imediatamente, a moça apresentou-lhe o pente e ela veio chegando-se, a nadar docemente; mas à vista d fita azul, que apareceu depois do pente, ela deu um salto, agarrou a moça pela cintura e precipitou-se com esse mimoso fardo no fundo do açude. 
                 A sinhazinha perdera os sentidos, mergulhando; quando abriu os olhos, encontrou-se num palácio todo verde e úmido, por onde passavam e repassavam peixes de toda a forma, olhando-a com grandes olhos vidrados e redondos; e um canto harmonioso feriu-lhe os ouvidos como uma carícia do céu. Reconheceu a voz e voltou-se, encantada, mas apenas deu com a vista no moço, que agora lhe aparecia ali todo inteiro, só homem até a cintura e peixe dali para baixo, como sua mãe, a sinhazinha virou a cara e pôs-se a chorar. 
                 Não! ela não queria casar com aquele filho da Mãe D'água... aquilo não era homem, era peixe. Ela queria voltar para casa de seus pais. 
                  O moço atirou-se ao seus pés, implorando. Os outros irmãos também vieram pedir-lhe que ficasse, senão o outro sofreria tormentos horríveis, porque a amava muito. 
                   Mas a tudo a mocinha respondia não! não!, ela tinha se enganado e queria ir embora. Ouviu-se então um grande rumor e a Mãe D'água surgiu, furiosa, com os olhos vermelhos de cólera. Dirigiu-se à mocinha, que tremia, e disse-lhe: 
                    - Tu repeles então meu filho, não é? Desgraçada! Eu podia matar-te aqui, mas não quero. Teu castigo será lá na terra, onde te hás de sentir-se tão infeliz, que  tu própria é que nos procurarás. Nesse dia, porém, meu poder não te protegerá, e morrerás como todo o mortal que vem ao fundo das águas. Vai!...
                    No mesmo instante, a moça se viu à porta de sua casa,  onde chorava a preta velha que a criara. 
                    - Ah! sinhazinha, venha depressa! sinhô velho morreu esta noite. 
                    Dias depois, foi a mãe da sinhazinha que também morreu, e ela ficou só no mundo com aquele engenho e alguns escravos. Um vizinho veio pedi-la em casamento e a cerimônia teve lugar no dia de Natal; mas, à meia noite, quando os noivos se recolheram, ouviu-se um grande grito que partia de baixo dos chorões e até de madrugada uma voz chorosa cantou à beira d'água, com tamanha tristeza, que fazia dó. 
                   O marido da sinhazinha só se casara por interesse e foi botando fora todo o dinheiro dela. Depois partia para a cidade e lá ficava jogando e bebendo, enquanto ela chorava sozinha no engenho. Um dia vendeu todos os escravos, e a mocinha viu partir acorrentada a sua boa ma, essa negra velha que a criara aos seus peitos. Nessa noite não pode dormir, ouvindo o gritos da pobre preta, arrastada pelo mato. Acocorada na soleira de casa, com os vestidos em trapos, sem ter mais nada que comer, sem escravos que a servissem, sozinha no mundo, viu ela chegar o marido com mais três homens de má catadura. 
                   - Sinhazinha, disse brutalmente o marido, levante-se que esta casa já não é nossa. Vendi-a hoje a estes senhores. A moça deu um grito. 
                   - E agora, marido, onde vou eu?
                   Ele encolheu os ombros. 
                   - Vá para onde quiser e não conte mais comigo que eu me fiz soldado e parto para a guerra. 
                   A moça abriu os braços e saiu por ali a fora correndo, como uma doida. Quando chegou á beira do açude, gritou para baixo, com desespero: 
                   - Mãe D'água! Mãe D'água! cumpra-se o meu fado; aqui me tens!
                   E atirou-se na água. 
                  O moço, que a adorava, recebeu-a nos braços, chorando de dor, mas ela já estava morta quando tocou no fundo verde do açude. 
                   E o seu lindo corpo moreno ficou boiando entre as águas, com os cabelos soltos se transformando pouco a pouco  em longas ervas flutuantes. 
                   Com o correr do tempo, as lágrimas do filho da Mãe D'água, que incessantemente rolavam sobre ela, acabaram por lhe dar a forma duma pedra alvíssima, tendo os contornos dum corpo de mulher.
                 E quem passa pela beira do açude ao cair da noite, entrevê uma vaga aparição fugindo entre os chorões queixosos, o mesmo tempo que escuta doce voz plangente e melodiosa cantando numa toada tão triste, que confrange o coração. 
                  E o filho da Mãe D'água, contando aos ecos da noite a história  da desventurada sinhazinha, que ele tanto amou e jamais esquece. 
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                   BREVE   BIOGRAFIA 
                   D. Emília Bandeira de Melo, foi uma  grande poetisa e escritora brasileira de São Paulo, mas nasceu no Rio de Janeiro a 11 de Março de 1852. Escrevia sob o pseudônimo de Carmem Dolores. Foi uma das escritoras pioneiras na luta pela educação da mulher e por seu valor na vida e no trabalho. Numa época cheia de preconceitos, não teve receio de se posicionar a favor do divórcio. Por outro lado, não se mobilizou pelo direito ao sufrágio feminino. É a única representante feminina da estética naturalista da literatura brasileira. 
                O início de sua carreia de escritora foi motivada pelo prazer de escrever. Mais tarde passou a usar seu talento pela necessidade financeira. Ao morrer em 16 de Agosto de 1910 era a colunista mais bem paga do periódico O País. 
 Suas principais obras foram: "A Luta", livro de estética naturalista que foi publicado pela H.Garnier em 1911. Esta obra tinha sido publicada como folhetim pelo Jornal do Comércio em 1909. Escreveu também os contos: "Gradações"; "Um drama na roça" e "Almas complexas"; além de Crônicas publicadas entre 1905 e 1910. Sua obra importante e também bastante conhecida foi "Lendas Brasileiras", onde escrevia sob o pseudônimo de Carmem Dolores. 
Nicéas Romeo Zanchett 
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3 comentários:

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